Paulo Moura: um estilo carioca de fazer música sem palavra em ritmo de festa
Ana Maria Bahiana
O Globo
 
 

Há sete anos, Paulo Moura Iançou seu último disco individual - "Confusão urbana, suburbana e rural", uma beleza de passeio por formas brasileiras de execução instrumental. Depois, silêncio, ou quase. Indignado pela forma mesquinha de tratamento que músicos experientes recebiam nos estúdios, cada vez mais encantado com a vitalidade musical dos subúrbios e cada vez mais curioso, Paulo rnudou-se de Copacabana para Ramos, bem em frente a quadra do bloco Cacique de Ramos, e foi passear pelo mundo. Fez concertos e deu workshops no Japão, Alemanha e Caribe. Tocou com Martinho da Vila e Wagner Tiso, nas gafieiras do Circo Voador e na Sala Cecília Meireles, com a pianista Clara Sverner. Participou do álbum-concerto "ConSertão" com Artur Moreira Lima, Elomar e Heraldo do Monte. Enfim, sete anos sem gravar nada só seu não o abalaram - criador e músico excepcional era, e continuou sendo.

Quem for ao Parque Carlos Lacerda, na Lagoa, amanhã, as 17 hs poderá constatar isso. Paulo arrumou mais uma das suas: reuniu três de seus muitos ex-alunos - os hoje muito aclamados Mauro Senise, Nivaldo Ornellas, Cacau e Raul Mascarenhas - e ensaiou com eles um repertório de peças eruditas francesas, americanas e brasileiras, além de temas populares de Pixinguinha, Wagner Tiso e dele rnesmo.

O show servirá também para marcar o lançamento do primeiro elepê de Paulo em sete anos - "Mistura e manda", uma produção da gravadora Kuarup, disco simples e notável que continua do ponto que foi interrompido em "Confusão" e mostra bem a cabeça do Paulo por onde anda. Tecnicamente preciso e sofisticado, mixado pelo sistema digital - que garante uma reproducão sonora de alta pureza - "Mistura e manda" foi, contudo, gravado em apenas três dias, praticamente sem arranjos, com um grupo de, no máximo, sete instrumentistas. A idéia é clara, da escolha do repertório ao estilo de execução: a busca de um estilo carioca e natural de fazer música sem palavra em ritmo de festa.

Só sambas e choros estão em "Mistura e manda" - a única exceção é "Tempos felizes", uma quase valsa levada só a clarineta (Paulo) e violão (João Pedro Borges), tema de amor do filme "Parahyba, mulher macho". As outras seis faixas mantém no ar o clima de gafieira ou, como quer Paulo, de uma "jam-session carioca", com os músicos improvisando livremente, propondo-se mútuos desafios, instigando-se. Podem ser choros do tipo tradicional, como "Chorinho pra você", de Severino Araújo, que abre o disco com um faiscante diálogo entre Paulo, Zé da Velha e o bandolim de Joel Nascimento, ou choros quebrados, de linha melódica angulosa, como o "Chorinho pra ele", de Hermeto Paschoal, que privilegia a atuação das cordas - Joel no bandolim, Rafael Rabelo no violão de sete cordas, Maurício Carrilho no violão e Carlinhos do Cavaco no cavaquinho.

Mas ao afinar assim sua escolha de repertório, Paulo, esse eclético por formação, como que reafirma seu interesse nas muitas formas do fazer música que o Rio gerou, demonstrando claramente como o conceito de "popular" convive harmonicamente com elaboração, procisão, complexidade. Não há nada propositalmente complicado em "Mistura e manda" - é, e, essência, um disco feito para dançar, como os bailes do Circo Voador. Mas é um privilégio dançar ao som de música tão boa.